28 abril, 2010

Bento XVI segundo um rabino. A força da razão na relação com as outras religiões

"O que o mundo aprendeu nestes cinco anos com relação ao Papa-estudioso é o preço que a academia paga para defender a verdade e manter a sua própria integridade. A infalibilidade tem os seus custos. As pessoas preferem políticos capazes de mediar, em vez de personagens críticos e inclinados às controvérsias. Isso é o que nos ensinam os Papas-estudiosos em geral."

A opinião é do rabino norte-americano e estudioso do judaísmo Jacob Neusner, em artigo para o jornal Corriere della Sera, 18-04-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Eu disse a melhor frase da minha vida uma vez, na academia, a alguém que contestava minhas opiniões sobre o time de beisebol do New York Yankees com relação ao New York Mets: "Não tente prevalecer sobre mim. Sou um professor, portanto sempre tenho razão". Infelizmente, ao invés de levá-la na brincadeira, o fulano me jogou uma toalha.

Quando se confere a um estudioso e intelectual de sucesso o status de infalibilidade, aí começam os problemas. Um estudioso não tem necessidade de que lhe digam que ele é infalível. Ele já sabe disso, e é pago para ser isso. A profissão de pesquisador requer integridade, racionalidade e honestidade intelectual.

Nos seus primeiros cinco anos de papado, Ratzinger revelou todos esses traços, ao mesmo tempo que uma abundante humildade, generosidade e amor. Porém, o mundo precisa de tempo para se habituar com esse Papa-estudioso que enfrenta de modo direto e sem hesitação os temas fundamentais e deixa cair as ninharias, quando possível.

Os muçulmanos compreenderam do que é feito esse Papa em Regensburg, quando, com uma intervenção muito profunda, Bento XVI colocou em dúvida a contribuição do Islã à civilização.

Os anglicanos compreenderam do que é feito esse Papa quando ele, em um impulso de honestidade, convidou o clero anglicano a fazer parte da Igreja.

Os judeus compreenderam do que é feito esse Papa quando Bento XVI retornou a uma liturgia que questionava o credo judaico.

Em todos os três casos, a ruptura foi recomposta e prevaleceram as posições mais moderadas: com o Islã, foi feita a paz, e com os anglicanos e os judeus chegou-se a uma reconciliação. Mas o Papa-estudioso não fez nada mais do que expressar a verdade assim como ela é sentida no coração do catolicismo: o Islã não pode competir com o cristianismo quanto à importância moral, os anglicanos sempre serão bem-vindos, e os judeus estariam muito melhor no interior da Igreja.

O Papa Bento XVI fala como um estudioso e pronuncia verdades cristãs assim como as enunciava o infalível bispo de Roma. Um estudioso não poderia deixar de agir desse modo.

A questão que neste momento perturba a paz é o modo em que, no passado, o cardeal Ratzinger liquidou um caso de um padre culpado de ter abusado sexualmente de algumas crianças. A caridade cristã sugeria perdoar aquele padre, uma alma penitente despedaçada e no fim da vida.

O cardeal Ratzinger economizou-lhe as humilhações que uma justa punição comportaria. O padre morreu no seio da Igreja, e Bento XVI mostrou o verdadeiro significado do arrependimento e amor cristão.

Em janeiro passado, quando encontrei o Papa em Roma, perguntei-lhe o que pretendia fazer quando, entre aproximadamente seis meses, completará o segundo volume do seu Jesus de Nazaré. Com um sorriso, ele me respondeu: "Nada mais. Esse é o meu último livro. Tenho outras coisas para resolver".

Um estudioso que deixa de escrever livros não mantém esse título por um longo tempo. Bento XVI não precisou acrescentar: "Até porque eu sou o Papa". Mas o acadêmico dentro de mim sussurrou: "E com que preço...".

O que o mundo aprendeu nestes cinco anos com relação ao Papa-estudioso é o preço que a academia paga para defender a verdade e manter a sua própria integridade. A infalibilidade tem os seus custos. As pessoas preferem políticos capazes de mediar, em vez de personagens críticos e inclinados às controvérsias. Isso é o que nos ensinam os Papas-estudiosos em geral.

Mas o que eu aprendo com esse Papa-estudioso em particular é algo a mais. A genuína integridade desse homem e a sua capacidade de expôr a verdade à humanidade inteira movem interesses muito fortes.

E por isso, os muçulmanos, os anglicanos e os judeus também devem se preparar para um debate de alto nível sobre a razão e a racionalidade compartilhada e encontrar um ponto de encontro nos conflitos que buscam estabelecer quem está do lado certo e quem está do lado errado e o que nos prescrevem as Sagradas Escrituras e a tradição.
 

19 abril, 2010

Para compreender o pontificado de Bento XVI



"O atual papa crê que somos capazes de alçar voo nas asas articuladas da fé e da razão e se afirma um cooperador da verdade que enfrenta o relativismo".

Eis o artigo.

Para entender os cinco anos do pontificado atual é preciso rever a vida de quem foi escolhido para ser o 265º sucessor de Pedro como bispo de Roma. Tornou-se um intelectual que deixou a Baviera, mas que jamais permitirá que a Baviera saia de dentro de si. Guarda como tesouro inabalável o amor à Virgem de Mariazell. Na escola da Mãe de Deus, aprendeu que todo poder é serviço aos pequeninos que não se pode escandalizar.

 A infância vivida aos pés dos Alpes foi guiada pela educação clássica que talhou sua personalidade intelectual. A Baviera é a terra do barroco, arte que vive do contágio emotivo e dos santos. Este papa é um homem das emoções que desejam a Deus revelado na verdade, na beleza e no amor. Viveu entre Munique e Salzburgo, tornando-se um aficionado da música clássica, um mozartiano.

Seus mestres são Santo Agostinho e São Boaventura. Como estes teólogos, o papa proclama que somos capazes de manter livre a inteligência na docilidade à graça de Deus. Crê que somos capazes de alçar voo nas asas articuladas da fé e da razão.

Seu lema episcopal é Cooperatores Veritatis, pois se afirma um cooperador da verdade que enfrenta o relativismo, um problema nevrálgico. Tem alertando europeus para que não se tornem vítimas de um laicismo estéril e obtuso. Preocupa-se com aqueles que negam as raízes cristãs e professam um niilismo corrosivo. Afirma que é urgente o cultivo da arte nutrida no Uno, no Bom, no Verdadeiro e no Belo.

A Igreja Católica compreende melhor sua voz suave ao celebrar hoje os cinco anos de sua eleição. Descobre que está diante de um teólogo eminente que anuncia o Evangelho como homem discreto e excelente pedagogo. Ele questiona os fundamentos da modernidade líquida e pede aos cristãos que busquem bases mais sólidas no Evangelho. Teme a apostasia do Ocidente com o crescimento do ateísmo e do agnosticismo, antes restritos aos totalitarismos stalinista e nazista.

 Seu antídoto para o vazio existencial é maior fidelidade, lucidez e santidade dos seguidores de Jesus. Insiste em proclamar novos santos como paradigmas de um cristianismo do futuro, marcado mais pela qualidade espiritual do que pela quantidade. Há cerca de 400 processos de canonização em curso, sendo 50 brasileiros natos.

Enfrentou temas polêmicos: o diálogo com as comunidades judaica e islâmica, o uso de preservativos na África, a reinserção de quatro bispos do cisma lefebvriano, o retorno da missa tridentina e o escândalo de pedofilia nos EUA, México, Irlanda, Brasil e Alemanha. Manteve-se ao lado daquelas que sofreram esta clamorosa injustiça e exigirá publicamente que os bispos envolvidos - incluídas as conferências episcopais, dioceses e congregações religiosas - tenham ação firme para punir este crime.

Na carta aos irlandeses, Bento XVI disse que esta traição a Cristo exige reparação da Igreja pois é um "grave pecado que ofende Deus e fere a dignidade da pessoa humana criada à Sua imagem".

Viveu momentos iluminados em seu pastoreio quando clamou por uma ação efetiva da comunidade internacional durante os terremotos que afligiram haitianos, chilenos e tibetanos. Quando abraçou jovens dependentes químicos no Brasil, em 2007. E sobretudo ao tocar, suave e comovido, o rosto de sobreviventes de Auschwitz, na visita à Polônia, em 2006. São gestos paternais que falaram ao coração da humanidade tantas vezes órfã e vilipendiada por mecanismos sutis de segregação social.

Seus desafios para o próximo quinquênio podem ser resumidos a três grandes gestos simbólicos: a visita a Moscou para fixar laços ecumênicos plenos com o patriarcado ortodoxo russo, a realização no próximo ano em Roma de um Sínodo para o Oriente Médio - como contribuição concreta dos católicos ao processo de paz na Terra Santa - e a preparação diligente da presença permanente da Igreja na China, talvez com a reinstalação de um mosteiro beneditino na China Continental.

Manteve contato com os católicos sem tantas viagens como João Paulo II, mas tornou-se presente através da TV, da internet, de blogs e sites. É o primeiro Papa a possuir um iPod.

Dedicou o coração de seu ministério petrino à defesa da verdade desde sua eleição como "um simples e humilde trabalhador na vinha do Senhor", confiante nas orações do povo cristão e na ajuda de Cristo e de sua Mãe. Sempre afirma que quer construir pontes firmes no diálogo em favor da paz sem transigir nos valores da fé em Deus como pedra angular de uma humanidade emancipada.

Em meio aos ventos contrários destas últimas semanas, o papa Bento XVI emerge no século XXI como um papa das correntes subterrâneas mais do que alguém que surfa nas espumas do mar. Compreendê-lo exige espírito de fineza.

Fernando Altemeyer Junior, professor do Departamento de Ciências da Religião da PUC-SP, em artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, 19-04-2010.

07 abril, 2010

Bento XVI responde: Tenho fome de Verdade: mas como posso fazer para harmonizar Ciência e Fé?

5. Santo Padre, chamo-me Giovanni, tenho 17 anos, estudo no Liceu Científico Tecnológico "Giovanni Giorgi" de Roma e pertenço à Paróquia de Santa Maria Mãe da Misericórdia.
Peço-lhe que nos ajude a compreender melhor como a revelação bíblica e as teorias científicas podem convergir na busca da verdade. Muitas vezes somos tentados a pensar que ciência e fé entre si sejam inimigas; que ciência e técnica sejam a mesma coisa; que a lógica matemática tenha descoberto tudo; que o mundo é fruto da casualidade, e que se a matemática não descobriu o teorema Deus é porque Deus, simplesmente, não existe. Em síntese, sobretudo quando estudamos, nem sempre é fácil reconduzir tudo a um projecto divino, ínsito na natureza e na história do Homem. Por vezes, a fé vacila ou reduz-se a simples acto sentimental. Também eu, Santo Padre, como todos os jovens, tenho fome de Verdade: mas como posso fazer para harmonizar Ciência e Fé? 
O grande Galileu disse que Deus escreveu o livro da natureza na forma da linguagem matemática. Ele estava convencido de que Deus nos deu dois livros: o da Sagrada Escritura e o da natureza. E a linguagem da natureza era esta a sua convicção é a matemática, por conseguinte, ela é linguagem de Deus, do Criador. Reflictamos agora sobre o que é a matemática: em si é um sistema abstracto, uma invenção do espírito humano, que como tal na sua pureza não existe. É sempre realizado aproximativamente, mas como tal é um sistema intelectual, é uma grande, genial invenção do espírito humano. O que surpreende é que esta invenção da nossa mente humana é verdadeiramente a chave para compreender a natureza, que a natureza está realmente estruturada de modo matemático e que a nossa matemática, inventada pelo nosso espírito, é realmente o instrumento para poder trabalhar com a natureza, para a pôr ao nosso serviço, para a instrumentalizar através da técnica.
Parece-me quase incrível que uma invenção do intelecto humano e a estrutura do universo coincidam: a matemática por nós inventada dá-nos realmente acesso à natureza do universo e faz com que ele seja utilizado por nós. Portanto, a estrutura intelectual do sujeito humano e a estrutura objectiva da realidade coincidem: a razão subjectiva e a razão objectiva na natureza são idênticas. Penso que esta coincidência entre quanto nós pensámos e como se realiza e se comporta a natureza, sejam um grande enigma e desafio, porque vemos que, no final, é "uma" razão que relaciona os dois: a nossa razão não poderia descobrir essa outra, se na origem das duas não se encontrasse uma razão idêntica.
Neste sentido, tenho a impressão que a matemática na qual Deus, como tal, não pode aparecer nos mostra a estrutura inteligente do universo. Agora existem também teorias do caos, mas são limitadas, porque se o caos prevalecesse, toda a técnica se tornaria impossível. Só porque se pode confiar na nossa matemática, também se pode confiar na técnica. A nossa ciência, que torna finalmente possível trabalhar com as energias da natureza, supõe a estrutura confiável, inteligente da matéria. E desta forma vemos que há uma racionalidade subjectiva e uma racionalidade objectiva na matéria, que coincidem. Evidentemente agora ninguém pode provar como se prova na experimentação, nas leis técnicas que as duas são realmente originadas numa única inteligência, mas parece-me que esta unidade da inteligência, atrás das duas inteligências, esteja realmente no nosso mundo. E quanto mais nós podemos instrumentalizar o mundo com a nossa inteligência, tanto mais sobressai o desígnio da Criação.
Por fim, para chegar à questão definitiva, digo: Deus ou existe ou não existe. Há apenas duas opções. Ou se reconhece a prioridade da razão, da Razão criadora que está na origem de tudo e é o princípio de tudo a prioridade da razão é também prioridade da liberdade ou se defende a prioridade do irracional, segundo o qual tudo o que acontece na nossa terra e na nossa vida seria apenas ocasional, marginal, um produto irracional a razão seria um produto da irracionalidade. Por fim, não se pode "provar" um projecto ou outro, mas a grande opção do Cristianismo é a opção pela racionalidade e pela prioridade da razão. Parece-me que esta seja uma óptima opção, que nos mostra como por trás de tudo haja uma grande Inteligência, na qual podemos confiar.
Mas hoje o verdadeiro problema contra a fé parece ser o mal no mundo: perguntamos como pode ser ele compatível com esta racionalidade do Criador. E aqui temos realmente necessidade do Deus que se fez carne e que nos mostra como Ele não seja apenas uma razão matemática, mas que esta razão originária também é Amor. Se olharmos para as grandes opções, a opção cristã também é hoje a mais racional e a mais humana. Por isso, podemos elaborar com confiança uma filosofia, uma visão do mundo que esteja baseada nesta prioridade da razão, nesta confiança de que a Razão criadora é amor, e que este amor é Deus. 
Quinta-feira, 6 de Abril 2006

Bento XVI responde: Vossa Santidade qual era a sua vocação? Pode dar-nos conselhos para compreendermos melhor se o Senhor nos chama para o seguir na vida consagrada ou sacerdotal?


4. Santidade, chamo-me Vittorio, pertenço à Paróquia de São João Bosco em "Cinecittà", tenho 20 anos e estudo Ciência da Educação na Universidade de "Tor Vergata".
Sempre na sua Mensagem, Vossa Santidade convida-nos a não ter medo de responder com generosidade ao Senhor, especialmente quando propõe que o sigamos na vida consagrada ou na vida sacerdotal. Diz-nos que não devemos ter medo, que devemos ter confiança n'Ele, e que não seremos desiludidos. Estou convencido de que muitos de nós, que estamos aqui ou quem nos segue de casa esta tarde através da televisão, tenho a certeza de que estejam pensando em seguir Jesus por um caminho de especial consagração, mas nem sempre é fácil compreender qual é o caminho justo. Pode dizer-nos como compreendeu Vossa Santidade qual era a sua vocação? Pode dar-nos conselhos para compreendermos melhor se o Senhor nos chama para o seguir na vida consagrada ou sacerdotal? Obrigado. 

No que me diz respeito, cresci num mundo muito diferente do actual, mas contudo as situações assemelham-se. Por um lado, existia ainda o ambiente de "cristandade", no qual era normal frequentar a igreja e aceitar a fé como a revelação de Deus e procurar viver segundo a revelação; por outro lado, havia o regime nazista, que afirmava em voz alta: "Na nova Alemanha não haverá mais sacerdotes, nem vida consagrada, já não temos necessidade dessa gente; procurai outra profissão". Mas precisamente ouvindo estas vozes "fortes", no confronto com a brutalidade daquele sistema com um rosto desumano, compreendi que ao contrário havia muita necessidade de sacerdotes. Este contraste, ver aquela cultura anti-humana, confirmou-me na convicção de que o Senhor, o Evangelho, a fé nos mostravam o caminho justo e que nos devíamos comprometer para que esse caminho sobrevivesse. Nessa situação, a vocação ao sacerdócio aumentou quase de modo natural juntamente comigo e sem grandes acontecimentos de conversão. Além disso, duas coisas me ajudaram neste caminho: já desde jovem, ajudado pelos meus pais e pelo pároco, descobri a beleza da Liturgia e sempre a amei, porque sentia que nela está reflectida a beleza divina e se nos abre o céu; o segundo elemento foi a descoberta da beleza do conhecimento, conhecer Deus, a Sagrada Escritura, graças à qual é possível introduzir-se naquela grande aventura do diálogo com Deus que é a Teologia. E assim, foi uma alegria entrar neste trabalho milenário da Teologia, nesta celebração da Liturgia, na qual Deus está connosco e festeja juntamente connosco.
Naturalmente não faltaram as dificuldades. Perguntava-me se na realidade eu tinha a capacidade de viver toda a vida o celibato. Sendo um homem de formação teórica e não prática, também sabia que não é suficiente amar a Teologia para ser um bom sacerdote, mas há a necessidade de estar sempre disponível para os jovens, os idosos, os doentes, os pobres; é preciso ser simples com os simples. A Teologia é bela, mas também é necessária a simplicidade da palavra e da vida cristã. E perguntava: serei capaz de viver tudo isto e de não ser unilateral, só um teólogo, etc.? Mas o Senhor ajudou-me e ajudou-me sobretudo a companhia dos amigos, de bons sacerdotes e mestres.
Voltando à pergunta, penso que é importante estar atentos aos gestos do Senhor no nosso caminho. Ele fala-nos através de acontecimentos, de pessoas, de encontros: é preciso estar atentos a tudo isto. Depois, o segundo ponto, entrar realmente na amizade de Jesus, numa relação pessoal com Ele e não saber só através de outros ou dos livros quem é Jesus, mas viver uma relação cada vez mais aprofundada de amizade pessoal com Jesus, na qual podemos começar a compreender o que Ele nos pede. E depois, a atenção ao que somos, às nossas possibilidades: por um lado, ter coragem e, por outro, ser humildes, confiantes e abertos, com a ajuda dos amigos, da autoridade da Igreja, dos sacerdotes, e também das famílias: que quer de mim o Senhor? Sem dúvida isto permanece sempre uma grande aventura, mas a vida só pode ser bem sucedida se tivermos a coragem da aventura, a confiança de que o Senhor nunca nos deixará sozinhos, que nos acompanhará e nos ajudará.

Quinta-feira, 6 de Abril 2006

A historicidade da ressurreição de Jesus

Nicholas Thomas Wright é bispo da Igreja Anglicana, estudioso do Novo Testamento e profundo conhecedor de História Antiga. Na impossibilidade da reconstituição dos fatos históricos, Wright defende a historicidade da ressurreição de Jesus por meio de argumentos interessantíssimos, tão desconhecidos no Brasil quanto o próprio Wright. O assunto é da maior importância, sem dúvida, pois "se Cristo não ressuscitou, ilusória é a vossa fé" (1 Coríntios 15: 17). Segue um resumo das idéias centrais de Wright.

Para começar, o historiador levanta questão da originalidade da idéia de ressurreição tal qual ela é apresentada pelo cristianismo primitivo. A ressurreição corporal de Jesus é uma idéia completamente nova em relação à civilização helenística e também a judaica. As duas civilizações têm idéias que se relacionam à vida após a morte (o Hades, dos gregos, por exemplo, ou a ressurreição de todo o povo no fim dos tempos, dos judeus), mas nenhuma delas traz à tona o fato de um homem, depois de morto, reaparecer aos vivos em carne e osso, corporificado.

Em segundo lugar, Wright ressalta a centralidade que o fato ressurreição tem para o cristianismo primitivo, enquanto as doutrinas da vida após a morte nas seitas judaicas ou inexistem ou têm caráter secundário. Por que essa questão ganharia aspecto central na nova religião, caso não estivesse fundamentada em um fato?

Em terceiro, a unanimidade existente em torno da idéia de ressurreição entre os cristãos primitivos. Transcrevo um trecho de Wright:

“por que os primeiros cristãos tinham essa muito nova, mas admiravelmente unânime, opinião a respeito da ressurreição? [...] É claro, todos os primeiros cristãos diziam que tinham essa opinião por causa do que acreditavam a respeito de Jesus. Agora, se a idéia de que Jesus se ergueu dos mortos só aparecesse depois de vinte ou trinta anos de cristianismo, como muitos estudiosos céticos têm suposto, encontraríamos muitas facções que não aceitariam a ressurreição, e aquelas que aceitassem lhe dariam uma forma diferente daquela específica do cristianismo primitivo. Assim, a ampla e unânime aceitação da crença na ressurreição pelos primeiros cristãos força-nos a dizer que alguma coisa certamente aconteceu para moldar e colorir todo o movimento cristão”.

Outro argumento interessante de Wright é o fato de os quatro Evangelhos apresentarem as mulheres como primeiras testemunhas da ressurreição de Jesus. Ora, mulheres não tinham nenhuma credibilidade naquele contexto histórico, tanto que Celso (século II d.C.) escarnece da ressurreição dizendo: “Essa fé se baseia apenas no testemundo de algumas mulheres histéricas”. Então, se os Evangelhos tivessem sido escritos para persuadir, evitariam usar as mulheres como testemunhas. Se as colocaram nesse papel, foi porque elas efetivamente desempenharam esse papel, isto é, testemunharam o fato da ressurreição.

Wright ressalta ainda que nos, quatro Evangelhos, a narrativa da ressurreição não tem caráter doutrinário e teológico, como vai adquirir nos Atos dos Apóstolos e nas Epístolas de São Paulo. O evento é simplesmente narrado e ponto (particularmente em Marcos, o Evangelho mais antigo). Diga-se também que é narrado sem as tradicionais alusões ao Antigo Testamento, o que aponta para o surgimento de uma tradição oral baseada em efetivos testemunhos de um fato: a ressurreição pessoal e intransferível de Jesus, fato que fundamenta a consolidação do cristianismo entre os primeiros discípulos, após a crucificação do mestre, bem como a expansão dessa crença em grupos de pessoas cada vez numerosos.

06 abril, 2010

Bento XVI responde? Quais são os maiores desafios a enfrentar no nosso tempo, e como espera que sejam estes novos apóstolos radicados na Palavra de Cristo? O que espera de nós Santidade?

3. Beatíssimo Padre, chamo-me Inelida, tenho 17 anos, sou ajudante do Chefe dos Escuteiros dos Lobinhos na Paróquia de São Gregório Barbarigo e estudo no Liceu Artístico "Mario Mafai".
Na sua Mensagem para a XXI Jornada Mundial da Juventude Vossa Santidade disse-nos que "é urgente que surja uma nova geração de apóstolos radicados na palavra de Cristo". São palavras tão fortes e comprometedoras que quase assustam. Sem dúvida, também nós gostaríamos de ser novos apóstolos, mas pode explicar-nos mais detalhadamente quais são, segundo Vossa Santidade, os maiores desafios a enfrentar no nosso tempo, e como espera que sejam estes novos apóstolos? Por outras palavras: que espera de nós, Santidade? 

Todos nos perguntamos o que espera de nós o Senhor. Parece-me que o grande desafio do nosso tempo assim me dizem também os Bispos em visita "ad Limina", por exemplo, os da África é o secularismo: isto é, um modo de viver e de apresentar o mundo como "si Deus non daretur", isto é, como se Deus não existisse. Pretende-se limitar Deus à esfera privada, a um sentimento, como se Ele não fosse uma realidade objectiva e assim cada um forma o seu projecto de vida. Mas, esta visão que se apresenta como se fosse científica, aceita como válido só o que se pode verificar com a experiência. Com um Deus que não se dispõe para a experiência imediata, esta visão termina por dilacerar também a sociedade: de facto, isto leva cada um a formar o seu projecto e no final encontram-se uns contra os outros. Uma situação, como se vê, decididamente insuportável. Devemos tornar de novo Deus presente nas nossas sociedades. Parece-me que esta seja a primeira necessidade: que Deus esteja de novo presente na nossa vida, que não vivamos como se fôssemos autónomos, autorizados a inventar o que é a liberdade e a vida. Devemos capacitar-nos que somos criaturas, constatar que existe um Deus que nos criou e que na sua vontade não é dependência mas um dom de amor que nos faz viver.
Por conseguinte, o primeiro ponto é conhecer Deus, conhecê-lo cada vez mais, reconhecer na nossa vida que Deus existe, e que Deus está relacionado com ela. O segundo ponto se reconhecemos que Deus existe, que a nossa liberdade é partilhada com os outros e que deve existir um parâmetro comum para construir uma realidade comum o segundo ponto, dizia, apresenta a questão: qual Deus? De facto, existem tantas imagens falsas de Deus, um Deus violento, etc. A segunda questão é: reconhecer o Deus que nos mostrou o seu rosto em Jesus, que sofreu por nós, que nos amou até à morte e desta forma venceu a violência. É preciso tornar presente, antes de tudo na nossa "própria" vida o Deus vivo, o Deus que não é desconhecido, um Deus inventado, um Deus só pensado, mas um Deus que se mostrou, se mostrou a si mesmo e o seu rosto. Só assim, a nossa vida se torna verdadeira, autenticamente humana e também os critérios do verdadeiro humanismo se tornam presentes na sociedade. Também aqui é válido, como disse na primeira resposta, que não podemos construir sozinhos esta vida justa e recta, mas devemos caminhar em companhia de amigos justos e rectos, de companheiros com os quais podemos fazer a experiência de que Deus existe e que é agradável caminhar com Deus. E caminhar na grande companhia da Igreja, que nos apresenta nos séculos a presença do Deus que fala, que age, que nos acompanha. Portanto diria: encontrar o Deus que se revelou em Jesus Cristo, caminhar juntamente com a sua grande família, com os nossos irmãos e irmãs que são a família de Deus, isto parece-me o conteúdo essencial deste apostolado do qual falei. 


Quinta-feira, 6 de Abril 2006

Bento XVI responde: Como viver a afetividade segundo a Palavra de Deus?


2. Santo Padre, chamo-me Anna, tenho 19 anos, estudo Letras e pertenço à Paróquia de Santa Maria do Carmelo.
Um dos problemas com os quais me deparo com mais frequência é o afectivo. Em maior medida temos dificuldade em amar. Sim, dificuldade: porque é fácil confundir o amor com o egoísmo, sobretudo hoje, quando grande parte da mídia quase nos impõe uma visão da sexualidade individualista, secularizada, onde tudo parece ser lícito, e tudo é concedido em nome da liberdade e da consciência dos indivíduos. A família fundada no matrimónio parece ser apenas uma invenção da Igreja, para não falar, depois, das relações pré-matrimoniais, cuja proibição é considerada, até por muitos de nós, crentes, incompreensível ou fora do tempo... Sabendo bem que muitos de nós procuramos viver responsavelmente a nossa vida afectiva, pode ilustrar-nos o que nos quer dizer em relação a isto a Palavra de Deus? Obrigada. 

Trata-se de uma grande questão e responder em poucos minutos certamente não é possível, mas procuro dizer alguma coisa. A própria Anna já deu algumas respostas quando disse que hoje o amor é com frequência mal interpretado, porque é apresentado como uma experiência egoísta, enquanto que na realidade é um abandono de si e assim torna-se um encontrar-se. Ela disse também que uma cultura consumista falsifica a nossa vida com um relativismo que parece conceder-nos tudo e na realidade nos esvazia. Mas ouçamos então o que diz a Palavra de Deus em relação a isto. Anna queria saber exactamente o que diz a Palavra de Deus. É para mim muito agradável ver que já nas primeiras páginas da Sagrada Escritura, logo após a narração da Criação do homem, encontramos a definição do amor e do matrimónio. O autor sagrado diz: "O homem deixará seu pai e sua mãe, unir-se-á à sua mulher e os dois serão uma só carne, uma única existência". Estamos no início e já nos é dada uma profecia do que é o matrimónio; e esta definição também permanece idêntica no Novo Testamento. O matrimónio é este seguir o outro no amor e, desta forma, tornar-se uma única existência, uma só carne, e por isso, inseparáveis; uma nova existência que nasce desta comunhão de amor, que une e cria um futuro. Os teólogos medievais, interpretando esta afirmação que se encontra no início da Sagrada Escritura, disseram que dos sete Sacramentos, o matrimónio foi o primeiro que Deus instituiu, porque foi instituído já no momento da criação, no Paraíso, no início da história, e antes de qualquer história humana. É um sacramento do Criador do universo, inscrito precisamente no próprio ser humano, que está orientado para este caminho, no qual o homem abandona os pais e se une à sua mulher para formar uma só carne, para que, desta forma, se tornem uma única existência. Por conseguinte, o sacramento do matrimónio não é invenção da Igreja, é realmente "con-criado" com o homem como tal, como fruto do dinamismo do amor, no qual o homem e a mulher se encontram reciprocamente e assim encontram também o Criador que os chamou ao amor. É verdade que o homem caiu e foi expulso do Paraíso, ou por outras palavras mais modernas, é verdade que todas as culturas estão poluídas pelo pecado, pelos erros do homem na sua história e assim o desígnio inicial inscrito na nossa natureza está obscurecido. De facto, nas culturas humanas encontramos este obscurecimento do desígnio original de Deus. Mas, ao mesmo tempo, observamos as culturas, toda a história cultural da humanidade, verificamos também que o homem nunca pôde esquecer totalmente este desígnio que existe na profundidade do seu ser. Sempre soube, num certo sentido, que as outras formas de relação entre homem e mulher não correspondiam realmente ao desígnio original do seu ser. E assim nas culturas, sobretudo nas grandes culturas, vemos sempre de novo como elas se orientam para esta realidade, a monogamia, ser o homem e a mulher uma só carne. É assim, na fidelidade, que uma nova geração pode crescer, que se pode dar continuidade a uma tradição cultural, renovando-se e realizando, na continuidade, um progresso autêntico.
O Senhor, que falou disto na língua dos profetas de Israel, mencionando a concessão da parte de Moisés do divórcio, disse: Moisés vo-lo concedeu "devido à dureza do vosso coração". O coração depois do pecado tornou-se "duro", mas não era este o desígnio do Criador e os Profetas com clareza crescente insistiram sobre este desígnio originário. Para renovar o homem, o Senhor aludindo a estas vozes proféticas que sempre guiaram Israel para a clareza da monogamia reconheceu com Ezequiel que temos necessidade, para viver esta vocação, de um coração novo; em vez de um coração de pedra como diz Ezequiel precisamos de um coração de carne, de um coração verdadeiramente humano. E o Senhor no Baptismo, mediante a fé "implanta" em nós este coração novo. Não é um transplante físico, mas talvez nos possamos servir precisamente desta comparação: depois do transplante, é necessário que o organismo seja cuidado, que receba os remédios necessários para poder viver com o coração novo, de forma a tornar-se o "seu coração" e não o "coração de outrém". Muito mais neste "transplante espiritual", onde o Senhor nos implanta um coração novo, um coração aberto ao Criador, à vocação de Deus, para poder viver com este coração novo, são necessários cuidados adequados, é preciso recorrer aos remédios oportunos, para que ele se torne verdadeiramente "o nosso coração". Vivendo na comunhão com Cristo, com a sua Igreja, o novo coração torna-se realmente "o nosso coração" e torna-se possível o matrimónio. O amor exclusivo entre um homem e uma mulher, a vida a dois designada pelo Criador torna-se possível, mesmo se o clima do nosso mundo lhe apresenta tantas dificuldades, até fazê-la parecer impossível.
O Senhor dá-nos um coração novo e nós devemos viver com este coração novo, usando as terapias oportunas para que seja realmente "nosso". É assim que vivemos tudo o que o Criador nos deu e isto cria uma vida verdadeiramente feliz. De facto, também podemos ver isto neste mundo, apesar de tantos outros modelos de vida: existem tantas famílias cristãs que vivem com fidelidade e com alegria a vida e o amor indicados pelo Criador e assim cresce uma nova humanidade.
E por fim acrescentaria: todos sabemos que para alcançar uma meta no desporto e na profissão são necessárias disciplina e renúncias, mas depois elas são coroadas pelo sucesso, por ter alcançado a meta desejada. Também a própria vida, isto é, o tornar-se homens segundo o desígnio de Jesus, exige renúncias; mas elas não são uma coisa negativa, ao contrário ajudam a viver como homens com um coração novo, a viver uma vida verdadeiramente humana e feliz. Dado que existe uma cultura consumista que pretende impedir que vivamos segundo o desígnio do Criador, nós devemos ter a coragem de criar ilhas, oásis, e depois grandes terrenos de cultura católica, nos quais viver o desígnio do Criador.
Quinta-feira, 6 de Abril 2006

Bento XVI responde: Como posso reconhecer que aquilo que leio é Palavra de Deus que interpela a minha vida?



1. Santidade, chamo-me Simone, pertenço à paróquia de São Bartolomeu, tenho 21 anos e estudo engenharia química na Universidade "La Sapienza" de Roma.
Antes de mais, agradeço por nos ter enviado a Mensagem para a XXI Jornada Mundial da Juventude sobre o tema da Palavra de Deus que ilumina os passos da vida do homem. Perante as ansiedades, as incertezas do futuro, e também quando enfrento simplesmente a rotina da vida quotidiana, também eu sinto a necessidade de me alimentar da Palavra de Deus e de conhecer melhor Cristo e assim encontrar respostas para as minhas perguntas. Com frequência me interrogo sobre o que faria Jesus se estivesse no meu lugar numa determinada situação, mas nem sempre consigo compreender o que a Bíblia me diz. Além disso sei que os livros da Bíblia foram escritos por diversos homens, em épocas diversas e todas muito distantes da minha. Como posso reconhecer que aquilo que leio é Palavra de Deus que interpela a minha vida? Obrigado. 

Respondo realçando um primeiro ponto: antes de tudo, é preciso dizer que se deve ler a Sagrada Escritura não como um livro histórico qualquer, como lemos, por exemplo, Homero, Ovídio, Horácio; é preciso lê-la realmente como Palavra de Deus, isto é, colocando-se em diálogo com Deus. Inicialmente deve-se rezar, falar com o Senhor: "Abre-me a porta". É quanto diz com frequência Santo Agostinho nas suas homilias: "Bati à porta da tua Palavra para encontrar finalmente o que o Senhor me quer dizer". Isto parece-me um ponto muito importante. Não se lê a Escritura num clima académico, mas rezando e dizendo ao Senhor: "Ajuda-me a compreender a tua Palavra, o que agora tu me queres dizer nesta página".
O segundo ponto é: a Sagrada Escritura introduz na comunhão com a família de Deus. Por conseguinte, não se pode ler sozinhos a Sagrada Escritura. Não há dúvida de que é sempre importante ler a Bíblia de modo muito pessoal, num diálogo pessoal com Deus, mas ao mesmo tempo é importante lê-la na companhia de pessoas com as quais se caminha. Deixar-se ajudar pelos grandes mestres da "Lectio divina". Temos, por exemplo, tantos livros do Cardeal Martini, um verdadeiro mestre da "Lectio divina", que ajuda a entrar no coração da Sagrada Escritura. Ele conhece bem todas as circunstâncias históricas, todos os elementos característicos do passado, mas procura abrir sempre a porta para mostrar que aparentemente palavras do passado também são palavras do presente. Estes mestres ajudam-nos a compreender melhor e também a aprender como ler bem a Sagrada Escritura. Depois, em geral, é oportuno lê-la também em companhia dos amigos que estão a caminho connosco e procuram, juntos, o modo de viver com Cristo, qual deve ser a vida que nos vem da Palavra de Deus.
O terceiro ponto: se é importante ler a Sagrada Escritura ajudados pelos mestres, acompanhados pelos amigos, pelos companheiros de caminhada, é importante em particular lê-la na grande companhia do Povo de Deus peregrino, isto é, na Igreja. A Sagrada Escritura tem dois sujeitos. Antes de tudo, o sujeito divino: é Deus que fala. Mas Deus quis envolver o homem na sua Palavra. Enquanto os muçulmanos têm a convicção de que o Alcorão seja inspirado verbalmente por Deus, nós cremos que a Sagrada Escritura se caracteriza como dizem os teólogos pela "sinergia", a colaboração de Deus com o Homem. Ele envolve o seu Povo com a sua palavra e assim o segundo sujeito o primeiro sujeito, como disse, é Deus é humano. Nela há escritores individuais, mas também a continuidade de um sujeito permanente o Povo de Deus que caminha com a Palavra de Deus e está em diálogo com Deus. Ouvindo Deus, aprende-se a ouvir a Palavra de Deus e depois também a interpretá-la. E assim a Palavra de Deus torna-se presente, porque as pessoas morrem, mas o sujeito vital, o Povo de Deus, está sempre vivo, e é idêntico ao longo dos milénios: é sempre o mesmo sujeito vivente, no qual vive a Palavra.
Explicam-se assim também muitas estruturas da Sagrada Escritura, sobretudo a chamada "releitura". Um texto antigo é lido de novo noutro livro, digamos 100 anos mais tarde, e então o que ainda não era compreensível naquele momento precedente é compreendido em profundidade, mesmo se já estava contido no texto precedente. E volta a ser lido de novo mais tarde, e de novo se compreendem outros aspectos, outras dimensões da Palavra, e assim nesta permanente releitura e reescritura no contexto de uma continuidade profunda, enquanto se sucediam os tempos da expectativa, a Sagrada Escritura cresceu. Por fim, com a vinda de Cristo e com a experiência dos Apóstolos a Palavra tornou-se definitiva, de forma que não podem haver mais reescrituras, mas continuam a ser necessários novos aprofundamentos da nossa compreensão. O Senhor disse: "O Espírito Santo introduzir-vos-á numa profundidade que agora não podeis ter". Por conseguinte, a comunhão da Igreja é o sujeito vivo da Escritura. Mas também agora o sujeito é o próprio Senhor, o qual continua a falar na Escritura que temos nas mãos. Penso que devemos aprender estes três elementos: ler em diálogo pessoal com o Senhor; ler acompanhados por mestres que têm a experiência da fé, que entraram na Sagrada Escritura; ler na grande companhia da Igreja, em cuja Liturgia estes acontecimentos se tornam sempre de novo presentes, na qual o Senhor fala agora connosco, para que, lentamente entremos cada vez mais na Sagrada Escritura, na qual Deus fala realmente connosco, hoje. 



Quinta-feira, 6 de Abril 2006

04 abril, 2010

FELIZ PÁSCOA!!!


 
Vencida foi a morte,
Jesus ressuscitou.
Mudou-se a antiga sorte.
A vida triunfou.
O sol pelas alturas
abriu em flor de luz;
na terra as almas puras
aclamam a Jesus.

Cântico pascal



Ìcone ortodoxo contra o aborto

 Por Alexandre Semedo



omecemos por sua parte esquerda, cujas cores de fundo são mais claras (em contraste bastante evidente com a parte direita, com cores escuras representando as trevas, o mal e a morte).
«Jesus Cristo protegendo e abençoando uma família cristã»
Jesus Cristo, vencedor da morte, surge protegendo e abençoando, abaixo dele, uma família cristã (é de se notar os trajes modernos que vestem). Família, aliás, numerosa (pai, mãe e seis filhos)
O pai carrega um dos filhos (como São José, que carrega o Menino Deus, tradicional imagem da iconografia cristã) e traz o alimento da família na mão esquerda. A mãe embala o filho ainda bebê e alimenta uma outra criança. São figuras tradicionais do pai e da mãe cristãos, essencial para o desenvolvimento dos filhos.
«Figura tradicional da família cristã»
Mãe de Deus «Galaktotrophousa»(amamentando)
Acima da família cristã, surge a Sagrada Família de Nazaré. Maria carrega, em seu colo, o Senhor Deus, nascido de seu puríssimo ventre. São José, por sua vez, carrega uma criança envolta em panos brancos, símbolo, na iconografia tradicional, da alma das crianças inocentes assassinadas.
Abaixo da família cristã, numa imagem bastante contundente, temos a «Arrependida», isto é, a mãe que, tendo cometido o monstruoso crime do aborto, chora, agora, o filho que ela própria matou. Veste-se de vermelho, o que representa o sangue inocente por ela derramado.
A «Arrependida» - mãe que, tendo cometido o monstruoso crime do aborto, chora o filho que ela própria matou
«A Mãe Solteira» - a que se manteve firme dinate da tentação de abortar e, agora, carrega (não sem o auxílio de Deus) a Cruz de ser mãe sem a ajuda e o suporte de um esposo
Na parte esquerda inferior, há a figura da mãe solteira. De um lado, ela pecou e consentiu em relações pré-nupciais (talvez, seja por isto que parte de sua vestimenta é vermelha, cor da luxúria), mas, por outro lado, manteve-se firme frente à tentação de abortar e, agora, carrega (não sem o auxílio de Deus) a Cruz de ser mãe sem a ajuda e o suporte de um esposo. Cruz esta que, se bem vivida, será sua porta de entrada para o céu depois que findar sua peregrinação terrestre.
Passemos, agora, às trevas!
Na parte direita do ícone, vemos sentada, num trono vermelho, uma rainha, chamada de «Nova Herodes.» É o próprio aborto personificado, que, como o Herodes o fez outrora, promove a matança dos inocentes no mundo moderno. Ela espezinha e massacra vários bebês e recebe ainda outros (todos em posição fetal) que as mulheres lhe oferecem.
A «Nova Herodes»
O próprio aborto personificado.
Pesonificação da «Crueldade», «Futilidade», «Indiferença» e «Luxúria» (de baixo para cima)
Estas mulheres estão à sua frente e personificam (de baixo para cima) a crueldade, a futilidade, a indiferença e a luxúria, sem as quais a monstruosidade do aborto não ocorreria.
Ao fundo, vemos um «médico». No original, a palavra é também grafada entre aspas, pois, sob a aparência de um médico (que deveria usar seus talentos apenas para salvar vidas), encontra-se um assassino frio, que passa uma espada no ventre de um bebê indefeso. Se o leitor reparar bem, seu bolso está cheio de dinheiro, pois se enriquece com a matança que ele próprio promove. Ao fundo, a imagem de um dragão, a Antiga Serpente, o chamado Diabo ou Satanás, que, sedutor do mundo inteiro, seduz o «médico», colocando-o ao seu serviço. Pois, todos os que se colocam a serviço, direto ou indireto, do aborto, estão a serviço direto de Satanás.
O «Médico», que deveria usar seus talentos para salvar vidas, colocando-se a serviço, direto ou indireto, do aborto, estão a serviço direto de Satanás.
Que deles (e de todos nós) o Senhor Deus tenha piedade.

O aborto é homicídio


...Desejo observar que toda a argumentação em favor do aborto cai por terra desde que se considere que o aborto é um homícidio..., e homicídio tal como não ocorria nem mesmo nos campos de concentração nazistas (onde havia câmaras de gás e fuzilamentos). No aborto a criança é dilacerada, despedaçada...; tem uma tesoura fincada no seu pescoço; o seu cérebro é sugado, de modo a causar o colapso do bebê, que vem finalmente arrancado do seio materno. E isto tudo é cometido geralmente a pedido da mãe ou com o consentimento dela. Tal prática fere não somente a criança, mas também o senso humanitário de qualquer criatura mentalmente sadia; fere principalmente o senso maternal da mulher. Muito mais nobre, da parte da mãe, é não matar o filho, deixá-lo nascer e entregá-lo a um casal ou a uma instituição (se não o quer ou não o pode educar). Aliás, quem é contrário à pena de morte para um criminoso, com mais razão deve ser contrário à pena de morte para uma criança inocente. Quanto à posição da Igreja frente ao aborto através dos séculos, o fato é que a Igreja sempre considerou ilícito o aborto, mesmo quando se pensava que a animação do feto se dava no 40º ou 80º dia; seria sempre o morticínio de um ser humano em formação.

03 abril, 2010

Pelo sacríficio de Cristo a violência foi derrotada

Pregação da Sexta-Feira Santa 2010 na Basílica de S. Pedro 
2010-04-02

“Temos um grande Sumo Sacerdote que atravessou os céus, Jesus, o Filho de Deus”: assim se inicia o trecho da Carta aos Hebreus que ouvimos na segunda leitura. No ano sacerdotal, a liturgia da Sexta-feira Santa nos convida a percorrer a origem histórica do sacerdócio cristão.

Esta é a fonte de ambas realizações do sacerdócio: aquela ministerial, dos bispos e presbíteros, e aquela universal, de todos os fiéis. Também esta, de fato, está fundamentada no sacrifício de Cristo que, como diz o Apocalipse, “nos ama, que nos lavou de nossos pecados no seu sangue e que fez de nós um reino de sacerdotes para Deus e seu Pai” (Ap 1, 5-6).
É de vital importância, portanto, compreender a natureza do sacrifício e do sacerdócio de Cristo, pois é neles que sacerdotes e leigos, embora de maneiras diferentes, devem se inspirar e buscar viver suas exigências.
A Carta aos Hebreus explica no que consiste a novidade e o caráter único do sacerdócio de Cristo, não apenas com relação ao sacerdócio da antiga aliança, mas também, como nos ensina a história das religiões, com relação a toda instituição sacerdotal, inclusive fora da Bíblia. “Cristo, sumo sacerdote dos bens vindouros [...] adentrou de uma vez por todas no santuário, não com o sangue de carneiros ou novilhos, mas com seu próprio sangue”. Desse modo, adquiriu para nós a redenção eterna. “Pois se o sangue de carneiros e de touros e a cinza de uma vaca, com que se aspergem os impuros, santificam e purificam pelo menos os corpos, quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno se ofereceu como vítima sem mácula a Deus, purificará a nossa consciência das obras mortas para o serviço do Deus vivo!” (Hb 9, 11-14).
Qualquer outro sacerdote oferece algo externo a si, mas Cristo ofereceu a si próprio; qualquer outro sacerdote oferece vítimas, mas Cristo ofereceu a si mesmo como vítima! Santo Agostinho sintetizou em uma fórmula bem conhecida este novo gênero de sacerdócio, no qual sacerdote e vítima são uma coisa só: “Ideo sacerdos, quia sacrificium”: “sacerdote porque vítima” [1].
Em 1972, um célebre pensador francês lançava a tese segundo a qual “a violência é o coração e a alma secreta do sagrado” [2]. De fato, na origem e no centro de qualquer religião está o sacrifício, e o sacrifício encerra morte e destruição. O jornal “Le Monde” saudava esta afirmação, dizendo que fazia daquele ano “um ano a ser assinalado com um asterisco nos anais da humanidade”. No entanto, já anteriormente a esta data, este estudioso se aproximara do cristianismo, e na Páscoa de 1959, havia tornado pública sua “conversão”, declarando-se crente e voltando à Igreja.
Isto o permitiu, em seus estudos subsequentes, não se deter na análise do mecanismo da violência, mas expor os meios de superá-la. Infelizmente, muitos continuam a citar René Girard apenas como aquele que denunciou a ligação entre o sagrado e a violência, mas não mencionam o Girard que evidenciou, no mistério pascal de Cristo, a ruptura total e definitiva desta ligação. Para ele, Jesus desmascara e desfaz o mecanismo de bode expiatório que sacraliza a violência, ao fazer-se ele próprio, inocente, vítima de toda a violência [3]. O processo no qual estaria a gênese da religião, segundo Freud, é assim derrubado.
Em Cristo, é Deus quem se faz vítima, e não a vítima (para Freud, o pai primordial) que, ao ser sacrificada, é sucessivamente elevada à dignidade divina (o Pai dos céus). Já não é o homem que oferece sacrifícios a Deus, mas é Deus quem se “sacrifica” pelo homem, entregando à morte seu Filho unigênito (cf. Jo 3,16). Assim, o sacrifício não mais se destina a “aplacar” a divindade, mas a aplacar o homem, fazendo-o renunciar a sua hostilidade nas relações com Deus e com o próximo.
Cristo não veio portando o sangue de outros, mas seu próprio sangue. Não pôs seus próprios pecados sobre os ombros de outros – fossem homens ou animais; ao contrário, sustentou os pecados dos outros sobre seus próprios ombros: “Carregou os nossos pecados em seu corpo sobre o madeiro” (1 Pe 2, 24).
É possível, então, continuar a falar em sacrifício ao referir-se à morte de Cristo, e portanto à Missa? Durante muito tempo, o estudioso citado rejeitou esta ideia, considerando-a por demais associada ao conceito de violência; mas, posteriormente, passou a aceitar a possibilidade de um novo gênero de sacrifício em Cristo, vendo nessa mudança de significado “o fato central da história religiosa da humanidade”.
Visto sob essa ótica, o sacrifício de Cristo contém uma mensagem formidável para o mundo de hoje. Grita para o mundo que a violência é um resíduo arcaico, uma regressão a estágios primitivos e superados da história humana e, em se tratando de crentes, um retardamento censurável e escandaloso frente à tomada de consciência do salto de qualidade operado por Cristo.
Lembra-nos também que a violência está derrotada. Em quase todos os mitos antigos, a vítima é a derrotada e o carrasco, o vencedor. Jesus alterou o sentido da vitória. Inaugurou um novo gênero de vitória, que não consiste em fazer vítimas, mas sim em fazer-se vítima. “Victor quia victima!”, vencedor porque vítima, assim Agostinho define o Jesus da cruz [4].
O valor moderno da defesa das vítimas, dos fracos e da vida ameaçada tem origem no terreno do cristianismo, sendo um fruto tardio da revolução operada por Cristo. Dispomos de uma contra-prova.
Somente ao abandonar a visão cristã (como fez Nietzsche) para retomar a pagã, é que se perde esta conquista e volta-se a exaltar “o forte, o poderoso, até sua expressão mais sublime, o super-homem”, definindo-se a moral cristã como “uma moral de escravos”, fruto do ressentimento impotente contra os fortes.
Lamentavalmente, porém, a mesma cultura moderna que condena a violência a favorece e exalta, paralelamente. Rasgamos as vestes diante de alguns acontecimentos sanguinários, mas não nos damos conta de que se prepara o terreno para que estes ocorram justamente com aquilo que é anunciado nas páginas dos jornais ou nos programas de televisão.
O gosto com o qual se fala da violência e a sanha de ser o primeiro e mais cru ao descrevê-la nada mais fazem que promovê-la. O resultado não é uma catarse do mal, mas sim um incitamento a este. É inquietante que a violência e o sangue tenham se tornado alguns dos ingredientes de maior apelo nos filmes e nos vídeo-games, e que sejamos tão atraídos por eles a ponto de nos parecer divertido contemplá-los.
O mesmo estudioso que já mencionamos evidenciou a matriz na qual se dá o mecanismo da violência: o mimetismo, aquela inclinação humana inata de considerar desejáveis as coisas desejadas pelos outros, e que leva a repetir aquilo que vemos outros fazerem. A psicologia do pacote é justo aquela que conduz à escolha do “bode expiatório”, para encontrar, na luta contra um inimigo comum – em geral, o elemento mais frágil, o diferente – uma coesão, ainda que momentânea e artificial.
Temos exemplos desta dinâmica na violência recorrente nos estádios de futebol, no bullying nas escolas e em certas manifestações públicas que deixam um rastro de destruição por onde passam. Uma geração de jovens que teve o raríssimo privilégio de não ter conhecido uma verdadeira guerra e de não terem sido jamais convocados às armas, diverte-se (por que se trata de uma brincadeira, ainda que estúpida e eventualmente trágica) inventando pequenas guerras, impelidos pelos mesmos instintos que moviam as hordas primordiais.
Mas há uma violência ainda mais grave e disseminada do que esta dos jovens nos estádios e nas ruas. Não me refiro àquela violência dirigida às crianças, com a qual estão manchados até mesmo elementos do clero; sobre essa violência já se fala suficientemente em outros âmbitos. Falo da violência contra a mulher. Esta é uma ocasião apropriada para levar as pessoas e instituições que lutam contra essa violência à compreensão de que Cristo é seu melhor aliado.
Trata-se de uma violência que se torna ainda mais grave quando cometida no abrigo e na intimidade do lar, frequentemente justificada com base em preconceitos pseudo-religiosos e culturais. As vítimas encontram-se desesperadamente sós e indefesas. Somente hoje, graças ao apoio das muitas associações e instituições, é que algumas mulheres encontram forças para denunciar seus agressores.
Muito dessa violência tem um fundo sexual. É o macho que acredita demonstrar sua virilidade ao submeter a mulher, sem se dar conta de que, desse modo, evidencia tão simplesmente sua insegurança e sua covardia. Também na relação com a mulher que erra, que contraste há entre o agir de Cristo e aquele que ainda verificamos em certos ambientes! O fanatismo invoca o apedrejamento; Cristo responde, àqueles que lhe haviam apresentado a adúltera: “Quem de vós não tiver pecado, que atire a primeira pedra” (Jo 8, 7). O adultério é um pecado que se comete sempre a dois, mas para o qual apenas um tem sido sempre (em algumas partes do mundo, ainda hoje) punido.
A violência contra a mulher torna-se ainda mais odiosa ao refugiar-se justamente no ambiente onde deveria reinar o respeito recíproco e o amor – na relação marido e mulher. É verdade que a violência não advém sempre de uma das partes, e que se pode ser violento também com a língua e não apenas com as mãos; mas não se pode negar que, na vasta maioria dos casos, a vítima é a mulher.
Há famílias nas quais o homem se julga autorizado a levantar a voz e as mãos para a dona de casa. Esposa e filhos vivem sob a constante ameaça da “ira do papai”. A estes homens talvez valesse dizer: “Caros colegas homens, criando-vos varões, Deus não vos concedeu o direito de bater os punhos contra a mesa por qualquer motivo. A palavra dirigida a Eva após sua culpa “Ele (homem) te dominará” (Gn 3,16), era uma amarga previsão, não uma autorização.
João Paulo II inaugurou a prática de pedir perdão por erros coletivos. Um desses pedidos de perdão, talvez entre os mais justos e necessários, é o perdão que uma metade da humanidade deveria pedir à outra metade, os homens às mulheres. Esse pedido não deve permanecer genérico ou abstrato. Deve levar a gestos concretos de conversão, a palavras de desculpas e de reconciliação no seio da família e da sociedade.
O trecho da Carta aos Hebreus que ouvimos prossegue dizendo: “Nos dias de sua carne, em alta voz e com lágrimas nos olhos, ofereceu orações e súplicas àquele que poderia salvá-lo da morte”. Jesus conheceu toda a crueza da condição de vítima, o grito sufocado e as lágrimas silenciosas. Na verdade, “não dispomos de um sumo sacerdote que não possa partilhar conosco nossas fraquezas”. Em cada vítima da violência Cristo revive misteriosamente sua experiência terrena. A esse propósito diz ele “foi a mim mesmo que o fizestes” (Mt 25, 40).
Por uma rara coincidência, neste ano nossa Páscoa cai na mesma semana da Páscoa judaica, que é a matriz na qual esta se constituiu. Isso nos estimula a voltar nosso pensamento aos nossos irmãos judeus. Estes sabem por experiência própria o que significa ser vítima da violência coletiva e também estão aptos a reconhecer os sintomas recorrentes. Recebi nestes dias uma carta de um amigo judeu e, com sua permissão, compartilho um trecho convosco. Dizia:
“Tenho acompanhado com desgosto o ataque violento e concêntrico contra a Igreja, o Papa e todos os féis do mundo inteiro. O recurso ao estereótipo, a passagem da responsabilidade pessoal para a coletividade me lembram os aspectos mais vergonhosos do anti-semitismo. Desejo, portanto, expressar à ti pessoalmente, ao Papa e à toda Igreja minha solidariedade de judeu do diálogo e de todos aqueles que no mundo hebraico (e são muitos) compartilham destes sentimentos de fraternidade. A nossa Páscoa e a vossa têm indubitáveis elementos de alteridade, mas ambas vivem na esperança messiânica que seguramente reunirá no amor do Pai comum. Felicidades a ti e a todos os católicos e Boa Páscoa”.
Também nós, católicos, felicitamos os irmãos judeus, desejando-lhes Boa Páscoa. E o fazemos com palavras de seu antigo mestre Gamaliel, inseridas no Seder pascal hebraico e incorporadas na mais antiga liturgia cristã:

“Ele nos conduziu
da escravidão à liberdade,
da tristeza à alegria,
do luto à festa,
das trevas à luz,
da servidão à redenção
Por isso diante dele dizemos: Aleluia” [5]

[Tradução de Paulo Marcelo Silva – Agência ZENIT]

* * *
Notas originais em italiano:

[1] S. Agostino, Confessioni, 10,43.
[2] Cfr. R. Girard, La violence et le sacré, Grasset, Parigi 1972
[3] M. Kirwan, Discovering Girard, Londra 2004.
[4] S. Agostino, Confessioni, 10,43.
[5] Pesachim, X,5 e Melitone di Sardi, Omelia pasquale,68 (SCh 123, p.98).

02 abril, 2010

BENTO XVI: O GUARDIÃO DA FÉ

Em defesa do Santo Padre Bento XVI selecionei uma série de artigos que esclarecem os verdadeiros fatos, ocultos pela mídia sensacionalista, e as verdadeiras motivações que estão por trás desta tentativa de atingir diretamente o Papa.


Artigos do site Zenit.org (por ordem dos mais recentes):

 Artigo da Rádo Vaticano:

Artigos da Agência Ecclesia:
Artigos do Blog O povo:

 Artigos nos sites internacionais:

01 abril, 2010

"Eis aqui uma prova brilhante de amor de Deus por nós:
quando éramos ainda pecadores, Cristo morreu por nós.
Rm 5,8

10 março, 2010

Não vos contenteis com nada menos do que os mais altos ideais

«Vós sois o sal da terra...
Vós sois a luz do mundo» (Mt 5,13-14)

Queridos jovens!

(...)
2. «Vós sois o sal da terra... vós sois a luz do mundo» (Mt 5,13-14): (...) As imagens do sal e da luz, que Jesus utiliza, são ricas de sentido, completando-se entre si. Realmente, na antiguidade, o sal e a luz eram considerados elementos essenciais da vida humana.
«Vós sois o sal da terra...». Como se sabe, uma das funções primárias do sal é temperar, dar gosto e sabor aos alimentos. Esta imagem recorda-nos que, através do baptismo, todo o nosso ser foi profundamente transformado, porque «temperado» com a vida nova que nos vem de Cristo (cf. Rm 6, 4). Este sal que tem a virtude de não deixar a identidade cristã desnaturar-se mesmo num ambiente duramente secularizado, é a graça baptismal que nos regenerou, fazendo-nos viver em Cristo e tornando-nos capazes de responder ao seu apelo para «oferecermos os [nossos] corpos como hóstia viva, santa e agradável a Deus» (Rm 12,1). S. Paulo, escrevendo aos cristãos de Roma, exorta-os a evidenciarem claramente o seu modo de viver e pensar diverso do de seus contemporâneos: «Não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, a fim de conhecerdes a vontade de Deus: o que é bom, o que Lhe é agradável e o que é perfeito» (Rm 12,2).
O sal foi também, durante muito tempo, o meio habitualmente usado para conservar os alimentos. Como sal da terra, sois chamados a conservar a fé que recebestes e a transmiti-la intacta aos outros. Particularmente grande é o desafio que se coloca à vossa geração de manter íntegro o depósito da fé (cf. 2Ts 2,15; 1Tm 6,20; 2Tm 1,14).
Descobri as vossas raízes cristãs, aprendei a história da Igreja, aprofundai o conhecimento da herança espiritual que vos foi transmitida, imitai as testemunhas e os mestres que vos precederam! Só permanecendo fiéis aos mandamentos de Deus, à Aliança que Cristo selou com o seu sangue derramado na Cruz é que podereis ser os apóstolos e as testemunhas do novo milénio.
É próprio da condição humana e, particularmente, da juventude buscar o Absoluto, o sentido e a plenitude da existência. Amados jovens, não vos contenteis com nada menos do que os mais altos ideiais! Não vos deixeis desanimar por aqueles que, desiludidos da vida, se tornaram surdos aos anseios mais profundos e autênticos do seu coração. Tendes razão para não vos resignardes com diversões insípidas, modas passageiras e projectos redutivos. Se mantiverdes com ardor os vossos anelos pelo Senhor, sabereis evitar a mediocridade e o conformismo, tão espalhados na nossa sociedade.
3. «Vós sois a luz do mundo...» Tanto para os primeiros que ouviram Jesus como para nós, o símbolo da luz evoca aquele desejo de verdade e sede de chegar à plenitude do conhecimento que estão gravados no íntimo de todo o ser humano.
Quando a luz vai diminuindo ou desaparece totalmente, deixa-se de poder distinguir a realidade circundante. No coração da noite, pode-se sentir medo e insegurança, aguardando-se então com impaciência a chegada da luz da aurora. Amados jovens, é o vosso turno de ser as sentinelas da manhã (cf. Is 21,11-12) que anunciam a chegada do sol que é Cristo ressuscitado!
A luz de que nos fala Jesus no Evangelho é a fé, dom gratuito de Deus que vem iluminar o coração e esclarecer a inteligência: «Porque Deus, que disse que das trevas resplandecesse a luz, é que brilhou nos nossos corações, para que irradiássemos o conhecimento da glória de Deus, que se reflecte na face de Cristo» (2Cor 4,6). Por isto mesmo assumem um valor extraordinário as palavras com que Jesus explica a sua identidade e missão: «Eu sou a Luz do mundo. Quem Me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida» (Jo 8,12).
O encontro pessoal com Cristo ilumina a vida com uma nova luz, orienta-nos pelo bom caminho e leva-nos a ser suas testemunhas. O novo modo de ver o mundo e as pessoas, que d'Ele nos vem, faz-nos penetrar mais profundamente no mistério da fé, que não é simplesmente um conjunto de enunciados teóricos para serem acolhidos e ratificados pela inteligência, mas uma experiência a assimilar, uma verdade a ser vivida, o sal e a luz de toda a realidade (cf. Veritatis splendor, 88).
No actual contexto de secularização, quando muitos dos nossos contemporâneos pensam e vivem como se Deus não existisse ou deixam-se atrair para formas irracionais de religiosidade, é necessário que precisamente vós, amados jovens, reafirmeis a fé como uma decisão pessoal que compromete toda a existência. Que o Evangelho seja o grande critério que guia as opções e os rumos da vossa vida! Tornar-vos-eis assim missionários por gestos e palavras e, por todo o lado onde trabalhardes e viverdes, sereis sinal do amor de Deus, testemunhas credíveis da presença amorosa de Cristo. Nunca esqueçais: «Não se acende a candeia para a colocar debaixo do alqueire» (Mt 5,15)!
Como o sal dá sabor aos alimentos e a luz ilumina as trevas, assim a santidade dá sentido pleno à vida, tornando-a reflexo da glória de Deus. Quantos santos, mesmo entre os jovens, conta a história da Igreja! No seu amor a Deus, fizeram resplandecer as suas virtudes heróicas diante do mundo, tornando-se modelos de vida que a Igreja propôs para imitação de todos. Dentre eles basta recordar: Inês de Roma, André di Phú Yên, Pedro Calungsod, Josefina Bakhita, Teresa de Lisieux, Pêro Jorge Frassati, Marcelo Callo, Francisco Castelló Aleu e ainda Catarina Tekakwitha, jovem iroquesa denominada «o lírio dos Mohawks». Peço a Deus, três vezes Santo, que, pela intercessão desta multidão imensa de testemunhas, vos torne santos, amados jovens, os santos do terceiro milénio!
 «Começa um novo século e um novo milénio sob a luz de Cristo. Nem todos, porém, vêem esta luz. A nós cabe a tarefa maravilhosa e exigente de ser o seu "reflexo"» (Carta Apostólica Novo millennio ineunte n.º 54).
João Paulo II
Castelgandolfo, 25 de Julho de 2001.