06 abril, 2010

Bento XVI responde: Como posso reconhecer que aquilo que leio é Palavra de Deus que interpela a minha vida?



1. Santidade, chamo-me Simone, pertenço à paróquia de São Bartolomeu, tenho 21 anos e estudo engenharia química na Universidade "La Sapienza" de Roma.
Antes de mais, agradeço por nos ter enviado a Mensagem para a XXI Jornada Mundial da Juventude sobre o tema da Palavra de Deus que ilumina os passos da vida do homem. Perante as ansiedades, as incertezas do futuro, e também quando enfrento simplesmente a rotina da vida quotidiana, também eu sinto a necessidade de me alimentar da Palavra de Deus e de conhecer melhor Cristo e assim encontrar respostas para as minhas perguntas. Com frequência me interrogo sobre o que faria Jesus se estivesse no meu lugar numa determinada situação, mas nem sempre consigo compreender o que a Bíblia me diz. Além disso sei que os livros da Bíblia foram escritos por diversos homens, em épocas diversas e todas muito distantes da minha. Como posso reconhecer que aquilo que leio é Palavra de Deus que interpela a minha vida? Obrigado. 

Respondo realçando um primeiro ponto: antes de tudo, é preciso dizer que se deve ler a Sagrada Escritura não como um livro histórico qualquer, como lemos, por exemplo, Homero, Ovídio, Horácio; é preciso lê-la realmente como Palavra de Deus, isto é, colocando-se em diálogo com Deus. Inicialmente deve-se rezar, falar com o Senhor: "Abre-me a porta". É quanto diz com frequência Santo Agostinho nas suas homilias: "Bati à porta da tua Palavra para encontrar finalmente o que o Senhor me quer dizer". Isto parece-me um ponto muito importante. Não se lê a Escritura num clima académico, mas rezando e dizendo ao Senhor: "Ajuda-me a compreender a tua Palavra, o que agora tu me queres dizer nesta página".
O segundo ponto é: a Sagrada Escritura introduz na comunhão com a família de Deus. Por conseguinte, não se pode ler sozinhos a Sagrada Escritura. Não há dúvida de que é sempre importante ler a Bíblia de modo muito pessoal, num diálogo pessoal com Deus, mas ao mesmo tempo é importante lê-la na companhia de pessoas com as quais se caminha. Deixar-se ajudar pelos grandes mestres da "Lectio divina". Temos, por exemplo, tantos livros do Cardeal Martini, um verdadeiro mestre da "Lectio divina", que ajuda a entrar no coração da Sagrada Escritura. Ele conhece bem todas as circunstâncias históricas, todos os elementos característicos do passado, mas procura abrir sempre a porta para mostrar que aparentemente palavras do passado também são palavras do presente. Estes mestres ajudam-nos a compreender melhor e também a aprender como ler bem a Sagrada Escritura. Depois, em geral, é oportuno lê-la também em companhia dos amigos que estão a caminho connosco e procuram, juntos, o modo de viver com Cristo, qual deve ser a vida que nos vem da Palavra de Deus.
O terceiro ponto: se é importante ler a Sagrada Escritura ajudados pelos mestres, acompanhados pelos amigos, pelos companheiros de caminhada, é importante em particular lê-la na grande companhia do Povo de Deus peregrino, isto é, na Igreja. A Sagrada Escritura tem dois sujeitos. Antes de tudo, o sujeito divino: é Deus que fala. Mas Deus quis envolver o homem na sua Palavra. Enquanto os muçulmanos têm a convicção de que o Alcorão seja inspirado verbalmente por Deus, nós cremos que a Sagrada Escritura se caracteriza como dizem os teólogos pela "sinergia", a colaboração de Deus com o Homem. Ele envolve o seu Povo com a sua palavra e assim o segundo sujeito o primeiro sujeito, como disse, é Deus é humano. Nela há escritores individuais, mas também a continuidade de um sujeito permanente o Povo de Deus que caminha com a Palavra de Deus e está em diálogo com Deus. Ouvindo Deus, aprende-se a ouvir a Palavra de Deus e depois também a interpretá-la. E assim a Palavra de Deus torna-se presente, porque as pessoas morrem, mas o sujeito vital, o Povo de Deus, está sempre vivo, e é idêntico ao longo dos milénios: é sempre o mesmo sujeito vivente, no qual vive a Palavra.
Explicam-se assim também muitas estruturas da Sagrada Escritura, sobretudo a chamada "releitura". Um texto antigo é lido de novo noutro livro, digamos 100 anos mais tarde, e então o que ainda não era compreensível naquele momento precedente é compreendido em profundidade, mesmo se já estava contido no texto precedente. E volta a ser lido de novo mais tarde, e de novo se compreendem outros aspectos, outras dimensões da Palavra, e assim nesta permanente releitura e reescritura no contexto de uma continuidade profunda, enquanto se sucediam os tempos da expectativa, a Sagrada Escritura cresceu. Por fim, com a vinda de Cristo e com a experiência dos Apóstolos a Palavra tornou-se definitiva, de forma que não podem haver mais reescrituras, mas continuam a ser necessários novos aprofundamentos da nossa compreensão. O Senhor disse: "O Espírito Santo introduzir-vos-á numa profundidade que agora não podeis ter". Por conseguinte, a comunhão da Igreja é o sujeito vivo da Escritura. Mas também agora o sujeito é o próprio Senhor, o qual continua a falar na Escritura que temos nas mãos. Penso que devemos aprender estes três elementos: ler em diálogo pessoal com o Senhor; ler acompanhados por mestres que têm a experiência da fé, que entraram na Sagrada Escritura; ler na grande companhia da Igreja, em cuja Liturgia estes acontecimentos se tornam sempre de novo presentes, na qual o Senhor fala agora connosco, para que, lentamente entremos cada vez mais na Sagrada Escritura, na qual Deus fala realmente connosco, hoje. 



Quinta-feira, 6 de Abril 2006

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